A pandemia e o jornalismo

Não há hoje quem não se comova, não se sensibilize e não fique profundamente impactado pelos efeitos, as consequências da pandemia. São milhões de doentes e centenas de mortos no mundo todo. Hoje, quando dizemos que está tudo bem, a leitura correta é: estou saudável e ponto. Nada além disso.

Estamos todos lutando para viver da melhor maneira possível, confinados em casa – os que estão em casa, claro. Tem gente que, muito pior, está tentando sobreviver. E sei que a solidariedade está por aí. Tem muita gente ajudando como pode, como dá. São senhoras fazendo máscaras para quem não tem como comprar, gente fazendo doações de alimentos, produtos de higiene e limpeza, dinheiro.

A pandemia está mostrando o melhor e o pior de todos nós. Tem muita, mas muita gente que faz de tudo para ajudar. Mas, na minha opinião, tem também muita gente fazendo de tudo para atrapalhar. São comerciantes que praticam aumentos abusivos de preços; empresas de logística cobrando os olhos da cara para fazer as entregas tão necessárias neste momento de isolamento social.

E tem também o presidente Jair Bolsonaro, cujas atitudes dispensam apresentação. A última de ontem foi o já famoso “E daí?”, ao responder a um jornalista sobre o fato de o Brasil já ter superado a China em número de mortes. Ele dá um péssimo exemplo quando se reúne em aglomerações e quando contraria recomendações dos organismos nacionais e internacionais de saúde.

Quem eu também acho que está prestando um desserviço aos brasileiros é a imprensa, mais particularmente as emissoras de TV. Explico. Tenho o hábito de, entre às 19h e às 20h, assistir os telejornais. Costumo dar uma olhada em vários canais das TVS paga e aberta. É demais o que está sendo feito. O assunto é apenas e tão somente o coronavírus.

Aqui abro um parênteses: na sexta-feira passada, como disse meu irmão, pelo menos a saída de Sergio Moro do ministério, seu pronunciamento e o do presidente serviram para ‘virar o disco’. Praticamente o tempo dos telejornais foi tomado com as notícias, repercussões e comentários a respeito desse assunto. Fecho o parênteses.

Há telejornais locais que só falam da Covid-19. No de ontem, por exemplo, eles deram os números de mortes, de internados em enfermarias, nas UTIs no Estado, na capital, na grande São Paulo. Informam o total de cidades do Estado que já têm casos de coronavírus, o percentual de homens e mulheres acima de 60 anos que morreram da doença. E ‘fizeram uma homenagem’ a três pessoas que não resistiram.

A minha pergunta é: para os brasileiros que estão assistindo que diferença fazem todos esses números? O que vai mudar na vida deles – na minha, na sua – saber tudo isso?

Na minha opinião, o que as emissoras de TV devem fazer é prestar serviço e não apenas ficar apontando números.

Exemplos de prestação de serviços não faltam. Que tal fazer matérias mostrando, didaticamente, porque o isolamento social é uma medida importante para conter o avanço do coronavírus? Os exemplos seriam importantes. Basta lembrar o que aconteceu na China e, mais recentemente, na Alemanha que, ao flexibilizar a quarentena, viu os casos da doença subirem novamente.

Matérias de serviço sobre máscaras de proteção – como fazer em casa -, higienização de alimentos, da casa, de roupas e calçados ao entrar e sair de casa, das mãos. E também reportagens com pessoas que foram curadas. As ideias são inúmeras para sair desse factual comparativo que leva a nada, não agrega nada se não for acompanhado de explicações mais claras sobre porque as coisas estão como estão.

É por isso que, como eu, muitos dos meus amigos não assistem mais aos telejornais que, guardadas as devidas proporções, estão fazendo ‘terrorismo jornalístico’. Se o objetivo disso é assustar as pessoas a tal ponto que decidam ficar em casa, está provado: não está resolvendo coisa alguma! Talvez a sensibilização venha de outras fontes e formas.