No que vamos acreditar?
Eu sou do tempo em que o Estadão publicava receitas ou trechos de Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões, para cobrir os ‘buracos’ deixados pela censura em suas edições. Quem via um ou outro, já sabia: estávamos proibidos de ler a matéria cortada da publicação.
Também sou do tempo de Realidade – acompanhei sua existência, primeiramente pela minha mãe que não perdia um exemplar sequer; depois porque aprendi a gostar do bom jornalismo que lá se praticava. Como não gostar da revista que publicou uma matéria com o título Há 17 sexos. Qual é o seu? Ou uma série fotográfica sobre O primeiro ano de nossa vida em 30 fotos em cores (na verdade, a capa estampa um a cores)?
A revista é antológica e foi feita por jornalistas de primeira linha, como Paulo Patarra, José Hamilton Ribeiro (que foi cobrir a guerra do Vietnã, durante a qual perdeu uma perna ao pisar em uma minha terrestre), Mylton Severiano, entre muitos e muitos outros.
Saudosismo? Não, não é disso que se trata. Mas, de credibilidade. Claro, não posso falar em nome de ninguém mais a não ser eu mesma. A cada dia que passa eu tenho mais e mais dificuldade de acreditar no que leio na imprensa. Até porque, como qualquer pessoa sabe, boa parte dos veículos está a serviço de interesses econômicos.
Uma dessas histórias diz respeito ao Grupo Abril. Várias matérias dão conta de que o empresário Fábio Carvalho teria adquirido o controle da editora com recursos provenientes do BTG. Há quem garanta que, por isso, o banco estaria por trás da linha editorial de Veja e que irá incorporar a revista Exame a plataforma BTG Pactual Digital.
Seja lá como for, de um jeito ou de outro, com a história bem contada ou mal contada, quem, em sã consciência, pode acreditar nas informações publicadas por ambos os veículos?
Como destaquei no post O contraste das polaridades aumenta, existe um ambiente de ‘nós contra eles’ em todos os âmbitos, atualmente. E a imprensa não ficou de fora. O que dizer desse episódio da TV Globo vs. Bolsonaro vs. Caso Marielle?
Onde está a verdade? Quem está certo e quem não está? Onde isso vai acabar? A exemplo do que aconteceu com a revista Veja quando fechou um acordo com The Intercept, a TV Globo está enfrentando resistência da opinião pública. Domingo, vi no Linkedin uma petição pública, que pedia a cassação da concessão da emissora, com centenas de assinaturas. Ontem, uma empresa do Paraná anunciou que deixará de anunciar na emissora.
A imprensa tem um papel preponderante na democracia. Ela é um farol, um norte. Ela informa, forma, denuncia abusos, irregularidades, descasos, omissões. Mas, para isso precisa ser isenta, transparente. Não pode ter vinculações de espécie alguma com pessoas, grupos, partidos. Ela precisa ouvir os dois lados de uma história. Precisa servir aos interesses da verdade, única e exclusivamente.
Obviamente que não dá para acusar quem quer que seja, mas a pergunta que não quer calar é: será que as notícias falsas são produzidas apenas e tão somente pelo ‘respeitável público’?