Os consumidores “conscientes” de fake news que confortam, por Eduardo Marini
“Nada nesta página é real. Nem uma fração. Por favor, não a use em conjunto com o Google ou as notícias. Isso só servirá para confundi-lo ainda mais.” O alerta, em letras grandes, está logo no início da página America’s Last Line of Defense (https://www.facebook.com/thelastlineofdefense/),algo como A Última Linha de Defesa da América.
A página, conta Eli Laslow, do TheWashington Post, foi criada no Facebook por Christopher Blair, 46 anos, na campanha eleitoral de 2016. Por mês, tem audiência de mais de seis milhões de leitores e gera US$ 15 mil (cerca de R$ 58,8 mil) de receita publicitária.
Seria mais uma page de humor na rede não fosse por uma característica curiosa: quanto mais Blair e seus amigos destacam que ali tudo é mentira, um número maior de seguidores da America’s acredita estar diante das verdades mais inquestionáveis.
“Não importa o quanto fôssemos racistas, preconceituosos, ofensivos e obviamente falsos: as pessoas não param de nos visitar”, diz Blair. “Onde fica o limite? Será que chega o ponto em que as pessoas decidem que aquilo é lixo e decidem voltar à realidade?”, questiona. A página é uma das mais populares dos EUA entre conservadores que apoiam Trump, sobretudo os acima de 50 anos.
Ainda é cedo para responder as questões de Blair, mas o fato é que as conexões democráticas, baratas e infinitas da internet explicitaram, em parte considerável da humanidade, uma atitude excessivamente emocional, quase uma pulsão, de acreditar “conscientemente” em mentiras vindas das mais variadas fontes e estruturas, desde que elas, evidentemente, confirmem suas ideologias,opções de vida, pilares morais e conceitos intelectuais.
É o que se chama, tecnicamente, de viés confirmatório, de confirmação ou de tendência de confirmação. Um viés cognitivo, que gera forte tendência de crer, lembrar,pesquisar, buscar, interpretar e, sobretudo, expor e compartilhar informações,argumentos e ponderações de forma seletiva, muitas vezes tendenciosa, com objetivo exclusivo de continuar convencido de que o correto é exata e unicamente o que sempre se pensou.
São,antes de tudo, casos em que não se argumenta para convencer o outro, mas para reforçar o cerco psicológico que protege a própria mente do esforço, muitas vezes nobre, de rever pensamentos, crenças e conceitos.
As recentes eleições presidenciais no Brasil por certo vieram à mente. No cenário atual da comunicação e do marketing, a melhor maneira de combater a “cegueira voluntária” gerada pelo viés de confirmação é formar opiniões a partir do consumo de olhares distintos, desconfortáveis e até incompatíveis sobre temas importantes.
Isso porque está cada vez mais difícil, no melting pot atual, separar com segurança o joio da intenção do trigo da informação.Sempre houve interesse por trás de mensagens e posturas editoriais. E hoje, coma pulverização e a fuga de recursos, a luta por espaço, audiência e receita ficou encarniçada como nunca. E, a partir daí, o que se passou a fazer em busca da sobrevivência de corpos e corporações não está neste gibi e nem no outro.
Não se pode ter medo, preconceito ou restrição de buscar e comparar ideias de quem pensa diferente com os conceitos próprios e as teses de quem os reforça. Ao contrário: os pilares das convicções, sejam elas quais forem, só se fortalecem com produto da reflexão serena das opiniões distintas.
O mínimo que poderá ocorrer é continuar a pensar rigorosamente como sempre. Ou, no meio do caminho, reforçar ainda mais as antigas crenças.
Ou,no máximo, aprimorar-se ao descobrir mentiras nas quais se acreditou por estarem protegidas pelo “muro” da busca “consciente” das inverdades que nos confortam – e é bom lembrar que elas estão camufladas, por aí, em todos os espectros de pensamento, ideologias e padrões morais.
Está escrito em um bilhete na mesa de Blair: “vivemos numa idiocracia”. Dias atrás, um de seus amigos mandou a seguinte mensagem: “que insanidade viral vamos espalhar nesta manhã?”.
Não existe a mentira sincera do poeta na comunicação contemporânea. Imperioso é conhecer o maior número possível de pontos de vista para se estabelecer com firmeza sobre os posicionamentos individuais, sejam eles quais forem.
Ou então, ao contrário, virar combustível inconsciente para as sátiras,gargalhadas e lucros dos Blairs da vida.
Simplesmente brilhante. Só isso que tenho a comentar.
Eita tempo maluco essr em que vivemos, hein? Parabéns pela matéria, Edu! Abs