As boas escolas e creches públicas, por Eduardo Marini

Fiz recentemente uma reportagem de capa sobre ensino infantil para a revista Educação (www.revistaeducacao.com.br). Em um dos textos, enumero creches e escolas públicas infantis com excelentes resultados didáticos e pedagógicos.

Nessas unidades, os profissionais superam falta de verba, driblam carências estruturais e subvertem a lógica dos desempenhos limitados nos exames como consequência previsível da insuficiência regular de orçamentos, equipamentos, materiais e programas de atualização de professores.

Entre os casos elogiáveis estão os das EMEIs paulistanas Dona Leopoldina (Alto da Lapa), Dona Alice Feitosa (Jardim Adelfiore) e Jardim Monte Belo (região de Anhanguera e Perus). As três abrigam crianças de quatro a cinco anos e onze meses (partir dos seis inicia-se a Educação Fundamental). E também o do CEI Suzana Campos Tauil, creche para crianças de zero a três anos e onze meses, na Vila Mariana.

Em comum, quatro características: empenho, mobilização comunitária, planejamento e criatividade. Tentarei mostrar, neste blog Poder do Conteúdo, como esses quatro pilares se manifestam na prática.

*Interação forte e cotidiana com o entorno da escola – Brincadeiras, passeios e outras atividades educacionais nos arredores da escola são comuns. A meta é criar condição para que a criança aprenda na relação com escola, bairro, comunidade, bioma e alfabetização ecológica.

Exemplo da eficiência do método: em um passeio recente, alunos da Vila Leopoldina notaram muita sujeira nas ruas. E mais: quase não havia latas de lixo nas proximidades cercanias da escola. Preocupadas, pediram aos diretores para convidar o subprefeito e, olho no olho, pediram pelos depósitos. O administrador prometeu resolver o problema em um mês, não resolveu e foi novamente cobrado pelos alunos, dessa vez com um vídeo. Diante da pressão, as latas acabaram instaladas.

*Respeito aos desejos das crianças – Apesar da pouca idade no ensino infantil, os comitês de alunos são incentivados nessas escolas. Na Vila Leopoldina, o Conselho de Criança é formado por um menino e uma menina de cada turma. O grupo leva aos professores sugestões de todos os tipos, do destino de um passeio à decisão de rejeitar a obrigação de dormir após a refeição principal. Neste último caso, passou a valer uma regra resumida por uma das crianças com singeleza comovente diante da dúvida paralisante de professores e pais: “quem quiser dormir, dorme; quem não quiser, não dorme”.

*Espaços planejados, lazer e interação como instrumentos de aprendizagem – Na Dona Alice Feitosa, limpeza, beleza das pinturas e espaços das salas chamam atenção. Em vez das filas de cadeira em blocos, há “cantinhos temáticos” – hospital, supermercado, jardim, local de diversão e, claro, educação. Nela e na Jardim Monte Belo, os alunos estudam em sala das 7h às 10h. Depois, vão todos para a interação entre turmas diferentes na área livre, também dividida em temas. Os alunos podem escolher seu pedaço livremente, e são orientados a optar por algum apenas quando há algum objetivo didático-pedagógico individual.

*Associação de Pais e Mestres (APM) estruturada – A APM é, por conceito, uma associação civil dedicada ao apoio e aprimoramento do processo educacional na escola. Na maioria dos casos, tem um conselho deliberativo presidido pelo diretor e vagas divididas entre professores, pais de alunos e ex-professores (o ensino médio costuma convocar também alunos maiores de 18 anos e ex-estudantes).

A mobilização, a disposição e os esforços dos pais, irmãos e parentes na busca de solução para os problemas da escola, dentro ou fora do ambiente familiar, são multiplicados quando a dimensão das tarefas é conhecida e assumida por todos na comunidade e esse é o papel fundamental de uma boa APM.

Na CEI Suzana Campos, ele é desempenhado com maestria pela equipe e admirável dedicação dos colaboradores. O site (www.suzanacampos.com) abriga o projeto pedagógico integral da creche, ações das crianças divididas por ano de vida, programas de formação de professores e um blog. Uma planilha desenvolvida por um pai voluntário, Leonardo Barone, detalha, até aos centavos, receitas e despesas da escola. E, para tranquilidade dos pais, inclui o cardápio semanal dos pequenos, com desjejum, refeição intermediária, almoço, lanche e refeição da tarde, para que todos possam “acompanhar tudo o que os nossos pequenos estão comendo”.

*Atenção e discussão frequente dos resultados educacionais – Tudo isso adiantaria pouco, ou mesmo não funcionaria, se não houvesse seriedade no planejamento, disciplina e acompanhamento dos projetos didático-pedagógicos. Em comum, essas escolas têm como método reuniões constantes de atualização das linhas de desempenho, análise de aproveitamento das turmas e até de desempenho do educador. No último caso, não para culpar ou crucificar o professor público, talvez a maior vítima das condições precárias em que a educação pública brasileira se opera, mas para fazer correções de rota e nivelar em bom ponto a maior parte dos alunos, profissionais e gestores nessas unidades.

Escolas municipais paulistanas como a Alice Feitosa e o Jardim Monte Belo recebem da prefeitura, em média, três repasses anuais de R$ 36 mil para suprir todas as despesas. Por isso, merecem elogios as capazes de conseguir tanto com tão pouco – e o doloroso é estar certo de que, como se trata de São Paulo, esse pouco na certa representa um sonho para escolas públicas semelhantes da avassaladora maioria das cidades brasileiras.

O objetivo evidente do artigo, ao detalhar métodos e posturas que geram bons resultados nessas unidades e reconhecimento a seus educadores, é incentivar o amigo leitor, próximo ou ligado a projetos de educação pública, a debater esses pontos com seus pares, professores ou familiares.

Nos últimos anos, o Ceará vem recebendo elogios de pesquisadores e especialistas em educação por dois motivos básicos: melhor desempenho nos exames oficiais e aumento no ritmo de recuperação do ensino público, sobretudo o fundamental. De acordo com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), já é o estado com a menor diferença de aprendizagem entre os diferentes níveis socioeconômicos, do mais pobre ao mais rico.

Um dos motores do embalo cearense é uma medida tão singela quanto eficiente e criativa. Governo estadual e prefeituras importantes passaram a dar prêmios materiais às escolas com os melhores resultados e financeiros aos seus diretores, professores e funcionários. Mas com uma condição: os incentivos só são entregues às escolas e profissionais com a comprovação de que a escola “adotou” pelo menos uma outra unidade, esta com desempenho insuficiente, para discutir, detalhar e repassar métodos, caminhos, experiências e projetos bem sucedidos.

Diante dos exemplos relatados, e da decisão tão elementar quanto inteligente tomada no Ceará, cabe uma pergunta singela: por que governos e autoridades brasileiras não adotaram, décadas atrás, atitudes como essa? Tudo certamente estaria agora bem melhor. Mas, para além do atraso, um dado típico de nossa cultura e história, sempre haverá tempo, sobretudo em Educação, quando o assunto for aplicação de boas ideias.