Como você está enfrentando o isolamento?

Para tentar descobrir uma resposta, pedi a pessoas da família e amigos mais próximos que me mandassem um depoimento informando como cada um deles está lidando com esse isolamento forçado – mas necessário. As reações iniciais variam de crises de choro, insônia, sensação de não saber o que fazer, incapacidade de concluir quaisquer tarefas. Alguns depoimentos incluem também algumas medidas tomadas para evitar esses problemas.

Vou começar por mim mesma: estou em casa desde o dia 19, quando sai de carro para ir à clínica tomar vacina contra a gripe. Não consegui e voltei em menos de 15 minutos. “Por sorte, eu trabalho em casa já faz um bom tempo. Mas, desde que a minha quarentena começou eu buscava, várias vezes ao dia, informações sobre a disseminação do coronavírus, número de doentes, de mortes. Resultado: uma insônia monumental. Depois de três noites sem dormir, percebi que eu estava fazendo tudo errado. Parei de buscar informações na internet e, enquanto estou trabalhando, ouço  música. Como a moça que trabalha em casa, também está em quarentena, agora tenho um trabalho extra, que é cuidar dos afazeres domésticos: limpar, lavar, passar, cozinhar – tarefa para a qual tenho ajuda do meu irmão, que entrou em quarentena no mesmo dia.”

Marcelo: ele é meu irmão. Engenheiro, realiza seu trabalho também em casa já faz anos. Ele desenvolveu alguns softwares, um dos quais para gestão de gabinetes políticos. Por esta razão, visita com frequência seus clientes na Câmara Municipal de São Paulo, no ABC e na Assembleia Legislativa de São Paulo, entre outros. Agora é só contato pelo telefone, whatsapp ou via helpdesk pela internet. “Entrei em quarentena na quarta-feira, 19/3. Por sorte consegui adiantar tudo que era necessário para não ter de sair. Continuo fazendo meu trabalho de casa, atendendo os clientes normalmente, só sem a presença física. No domingo anterior ao início do isolamento social, fui ao supermercado e fiz uma compra maior do que a normal, já prevendo a quarentena. Minha rotina permanece a mesma. Levanto no mesmo horário, trabalho normalmente e, nos momentos de lazer, vejo vídeos no YouTube e busco alguns jogos para desanuviar a cabeça. Como prevejo que a quarentena ainda perdurará por algum tempo, estou aproveitando o tempo para otimizar os softwares e desenvolver novas ideias. Apenas eu tenho saído de casa para ir rapidamente ao supermercado para comprar frutas e verduras. No mais, baixei todos os apps de entregas e é assim que temos feito nossos compras de outros alimentos, produtos de limpeza, higiene, remédios, etc.”

Carol: ela é mãe de um adolescente de 13 anos e de uma menina de 9 anos, que não saem de cada desde a segunda, 16/3.  “A última vez que sai de casa foi na quarta-feira para ir ao supermercado. Foi aí que meu desespero bateu. As prateleiras estavam vazias, as pessoas com cara de desesperadas. Até então eu estava calma, pois ficava em casa, tomando todos os cuidados. Eu surtei. Comecei a ver televisão para buscar notícias e aquilo foi me fazendo muito mal. Da noite de quinta à noite de sábado eu só chorava. Um desespero, a gente não sabe como pega, como vai reagir, se vai perder pessoas queridas. Não está sendo muito fácil para as ‘crianças’ também. No começou meu filho estava muito rebelde, agora está mais calmo, acho que entendeu a situação. Não queria me ajudar com nada. Agora, eles me ajudam nas mínimas tarefas. Cada um deles arruma a própria cama e passa aspirador no seu quarto. Estou aproveitando esse período para dar aquela ‘geral’ em casa que a gente sempre fala, mas nunca faz. Minha filha me perguntou se os três meses (possíveis de quarentena) eram três meses sem ir à escola. Respondi que era sem sair de casa para todos nós e ela se assustou um pouco. Meu filho disse que não entendia porque eu nem o deixava descer no prédio, uma vez que muitos dos seus amigos estavam fazendo isso. Eu disse não. Ele ficou muito nervoso, mas depois entendeu. Quando preciso descer para pegar uma encomenda, só uso a escada, e deixo meu sapato do lado de fora do apartamento. Apesar de meu filho ficar horas no videogame – deixo porque percebi que é a válvula de escape dele -, percebi que ambos estão interagindo mais um com o outro. Tudo tem seu lado bom e ruim. O bom é que vamos acabar nos unindo mais como família. Ninguém está nos visitando, nem mesmo os meus pais”.

Irene: mãe  e avó. “Eu me sinto como uma ‘barata tonta’ a maior parte do tempo. Para acabar algo que comecei a fazer é difícil. Começo dez coisas e termina quando dá. Depois da quarentena, não tive um sequer com a rotina costumeira. Há uma semana, não saio de casa, porque não me sinto confortável. Até o dia 14/3, só saía para ir almoçar na casa da minha filha. Agora, nem isso.”

Elaine: advogada, professora e artista. “Comecei a entrar em quarentena na segunda-feira, 17/3. Precisei ir ao cartório com um cliente na semana passada e normalmente iria de metrô. Mas, fui de carro, tomei todas as precauções possíveis, sem contato físico com ninguém. Também deixei de ir ao meu ateliê de arte. Na terça, precisei ir ao banco, que estava mais ou menos cheio, houve uma demora imensa no atendimento, o que me deixou um tanto preocupada. Só tenho saído para ir ao supermercado e sou apenas eu quem está saindo. Não tenho dormido direito, estou indo deitar muito tarde. Quando acordo, parece que sai de um pesadelo – acho que todo mundo está assim – e aí cai a ficha. Mesmo não querendo, a gente acaba ligando o celular, a televisão. Se preciso usar o carro, faço a higienização antes e depois do uso. O mercado perto de casa estava totalmente desabastecido na segunda-feira, os consumidores estavam de máscara – não achei para comprar. Mas, os funcionários sem nada, sem luva ou máscara. Não havia demarcação de distância, nada. Eram as próprias pessoas que estavam se preocupando em se manter distantes umas das outras. É um risco grande, mas não tem jeito, precisamos sair para comprar alimentos, além de ração para nosso gato e mais areia do que o normal. De volta, deixei de molho verduras, frutas. Agora não vamos sair mais. Nossa faxineira também não está vindo – estamos pagando normalmente, porque do contrário como ela vai fazer? Na sexta-feira, acordei em pânico, dei uma surtada. Depois retomei a calma, a serenidade. Dentro do possível, estamos levando, acompanhando essa tristeza. A preocupação não é apenas por nós, mas pelas pessoas que mal têm o que comer, não têm saneamento básico. Chego a pensar que, se for a minha hora, que me faça forte, porque ninguém é mais que ninguém. Dá medo? Dá! Tem horas que dá mais, tem horas que menos. Além disso, é fé.”

Valéria: empresária, mãe de dois ‘meninos’ – um de 18, outro de 17 anos. Ela e o marido viajaram, após o carnaval, para Londres e de lá para Miami, onde estão até agora. “Estou em outro país. Tudo está fechado. Só estão abertos farmácias, mercados e restaurantes para delivery. Nosso voo foi cancelado, mas decidimos ficar por aqui. Estou bem, porque estou com meu marido e meus filhos.  Nunca tive o tempo ideal para eles, mas agora tenho. Andamos de bike e fazemos ginástica depois. Não tenho medo do vírus, mas cumpro tudo porque acredito que a prevenção é a melhor solução. Mas, me chama a atenção o efeito econômico que o vírus trouxe ao mundo. Não deveria, mas como sempre temi pelo meu negócio e o trabalho de tantas pessoas. Depois pensei: a gente arruma outro. Mas nada é tão simplista assim. Enfim, a única coisa que me tira a paz é saber que, diante de tudo isso, ainda tem gente tentando ser valer pela força, fofoco, intriga. Estamos todos dividindo rotinas similares e reclusão com a família por conta de um vírus que levou à reflexão global, além das reflexões individuais, porque cada um de nós tem seu momento.”

Algumas pessoas me prometeram seus depoimentos para hoje. Então, amanhã eu volto com mais histórias.