E eu descobri a finalidade…
Como todas as pessoas, claro, sempre achei velórios e enterros um ritual tenebroso, horrível e, na minha ignorância, perfeitamente dispensável.
Como eu estava enganada.
Há menos de 10 dias, meu primo – que era como um irmão – se foi, quase certamente vitimado pela Covid-19. Não deu tempo de ter certeza! Ele morreu em casa, o que já é um grande complicador. Mas, até que foi relativamente simples.
O doloroso foi tentar falar com ele pelo whatsapp e pelo telefone, sem sucesso. Não vou entrar em detalhes, mas ele morreu no sábado e, no dia seguinte, foi enterrado.
E é aí que as coisas ficaram muito difíceis. Com a suspeita – praticamente certeza – da Covid-19, o caixão foi lacrado e só duas pessoas foram autorizadas a ir ao cemitério – o irmão dele e a sobrinha. O Araçá, pelo que entendi, escolheu uma forma de os familiares se despedirem. Colocou uma tenda, embaixo da qual fica o caixão, e os autorizados ficam bem à distância.
Para mim, essa imagem é o retrato, o melhor retrato do ‘estrago’ que o coronavírus está fazendo nas famílias. O caixão solitário embaixo de uma tenda, os dois familiares a uma distância segura. Depois, acompanham, igualmente à distância, o enterro.
Mas, foi a partir deste episódio que entendi a finalidade deste ritual de velório e enterro. É para nos conscientizarmos da morte. Desde que ele se foi, venho lembrando dele ao longo do dia e imaginando o que ele estaria fazendo. Sempre trocamos mensagens no final da tarde e, agora, vivo me lembrando de não esquecer ‘falar’ com ele.
Mas não preciso mais fazer isso. Minha última mensagem para ele, no dia 1/5, ainda está lá, no celular dele, que, obviamente, ninguém lembrou de pegar. Eu perguntava se ele estava melhor. Agora, certamente está, porque na véspera, apesar de eu insistir para ele ir ao pronto-socorro, ele se recusou, dizendo que estava muito cansado.
Ele se foi e eu estou tendo uma enorme dificuldade de entender, porque não vivi, essa realidade. É para isso que servem os velórios!
E, para que cenas como essa não se repitam mais e mais vezes, como temos visto, não tem jeito: temos de ficar em casa e só sair, rapidamente, para fazer o que for absolutamente imprescindível.